Espumantes: Tudo Sobre Borbulhas
Existe uma certa magia que acompanha o “pop” de uma garrafa de espumante! Mas, além disso, felizes acidentes e uma boa dose de ciência ajudam a explicar os segredos por trás desta bebida especial.
Como surgiram os espumantes?
O passado dos espumantes é bastante nebuloso e cheio de controvérsias. Bom, era de se esperar que tão fabulosa criação pudesse gerar algum atrito na definição de um inventor, mas os relatos sobre sua concepção são realmente complexos e tornam difícil garantir com máxima certeza. A história mais difundida, muito pelo seu charme, relata a experiência do imortal monge Dom Pierre Pérignon por volta do ano 1700, no exercício de sua responsabilidade como mestre das caves da abadia de Hautvillers, teria provado um vinho que sofrera uma segunda fermentação na garrafa gerando bolhas, e exclamado a frase: “Corram, estou bebendo estrelas!”. Muitos detalhes desta história são alvo de críticas por estudiosos, e os próprios defensores possuem detalhes conflitantes que comprometem a credibilidade do acontecido.
A efervescência natural em vinhos vem sendo observada por centenas de anos, inclusive com relatos escritos por gregos e romanos, ainda que o surgimento das icônicas borbulhas fosse um completo mistério. A tendência de vinhos tranquilos ficarem levemente gaseificados era notada frequentemente em vinhos de regiões específicas e considerado um defeito de produção durante um bom tempo, inclusive, a função de alguns mestres (como Dom Pérignon) era a de justamente cuidar e estudar para que os vinhos não padecessem deste problema. A carbonatação espontânea geralmente representava a explosão de garrafas nas caves, muitas vezes causando reações em cadeia que podiam afetar até 90% do estoque! Tão grave era a situação que os funcionários precisavam utilizar máscaras de ferro para evitar acidentes graves.
Os britânicos, até hoje conhecidos pela seu fascínio por espumantes, foram os primeiros a tratar o gás presente no vinho como uma característica positiva e tentar entender os motivos para tal fenômeno. Importante notar que os vinhos franceses viajavam em barris até a Inglaterra onde eram engarrafados em garrafas produzidas em fornos industriais, gerando vidros mais resistentes que os franceses! Em 1662 o cientista inglês Christopher Merret escreveu um artigo relacionando pela primeira vez a presença de açúcar nos vinhos engarrafados com o surgimento do gás natural.
Como o Vinho Vira um Espumante
Depois que a uva é colhida e prensada, ela inicia o processo de fermentação nos tanques. Naturalmente, um microrganismo chamado levedura se alimenta dos açucares naturais da uva e transforma os mesmos em etanol, o álcool do vinho, mas muito além disso gera diversos outros compostos secundários como o CO2, o gás carbônico. Este gás natural é eliminado durante a elaboração de vinhos tranquilos até restar pouquíssimo açúcar da uva e todo o álcool desejado. No caso dos espumantes, naturalmente ou por adição, permitimos que um novo grupo de leveduras processe açúcar e gere os mesmos produtos mas com a diferença de que, desta vez, a fermentação ocorre em um ambiente fechado, forçando as borbulhas à se diluírem no líquido, voltando a aparecer somente quando a garrafa é aberta.
Com a evolução e estudo profundo destes fenômenos, diversas técnicas de elaboração de espumantes foram aperfeiçoadas. De métodos mais industriais aos tradicionais tudo depende dos resultados que o enólogo pretende alcançar. Um dos métodos mais emblemáticos é conhecido como Tradicional ou Champenoise, onde ocorre inicialmente uma fermentação normal do mosto de uvas colhidas precocemente, com menos açúcar e mais acidez, gerando o que chamamos de “vinho base”. Este vinho então é engarrafado e, invés da rolha de cortiça, é fechado com uma tampinha metálica, similar às garrafas de cerveja ou refrigerante, chamada corona ou coroa, junto com o licor de tirage, uma receita única de cada vinícola contendo açucares e leveduras suficientes para despertar uma segunda fermentação dentro da garrafa, forçando o gás a dissolver no líquido. Assim que as leveduras morrem e precipitam com os demais resíduos sólidos, as garrafas são colocadas em caves para descansar durante o período de autólise, onde estes pequenos organismos vão se sacrificar e entregar ao vinho elementos que vão conferir características de cremosidade e estrutura ao espumante.
Como adicionamos aquele “licor secreto” ao espumante já sabemos quais as características que encontraremos no produto final. Os níveis de açúcar ao término de todo este processo vai definir a classificação da bebida, que, segundo a legislação brasileira se divide em faixas de gramas por litro de açucares residuais:
Nature: com até 3 g/L;
Extra-Brut: entre 3.1 e 8 g/L
Brut: entre 8.1 e 15 g/L;
Sec ou Seco: 15.1 à 20g/L;
Demi-Sec, Meio-Seco ou Meio-Doce: entre 20.1 e 60 g/L;
Doce: entre 60.1 e 80 g/L.
Muito além da quantidade de açúcar, o balanço com a acidez e as características de amadurecimento conquistadas durante a autólise, vão definir e garantir as qualidades para harmonização e potencial de guarda de cada rótulo criado. Os aromas e sabores são grandemente afetados por estes processos, mas também pelas uvas selecionadas para sua elaboração, como podemos ver com clareza quando comparamos o Nature Safra Histórica MMXX elaborado exclusivamente com a uva branca Trebbiano Toscano e o EXITU ANNI Brut Rosé Vindima MMXVII feito com uvas Chardonnay e Pinot Noir, ambos desenvolvidos pelo mesmo método mas com características únicas. Geralmente as uvas destinadas aos espumantes são colhidas mais cedo que as demais, buscando níveis de acidez maior e menos açúcar possibilitando todo o processo de dupla fermentação.
Cada vez mais apaixonados se aproximam do mundo dos espumantes, seja para harmonizar com o prato principal de um banquete ou alguns petiscos despretensiosos, ou então para brindar momentos e memórias entre sorrisos e abraços. Seja como for, quando você erguer a taça de espumante para comemorar a virada no ano, reserve um gole em homenagem à longa jornada de cultura e inovação que tornaram possível encerrar as milhares de borbulhas acidentais que transformaram uma bebida já amada em um símbolo de conquista e celebração. Saúde!