Como a Barrica de Carvalho afeta o vinho?
Quais os segredos que esta madeira com história tão antiga e entrelaçada ao vinho guarda ao acolher por tanto tempo o precioso líquido? Entenda o que faz o carvalho ser tão admirado e cobiçado no mundo do enológico.
Tente fazer um pequeno exercício; feche os olhos e imagine uma vinícola, com seus equipamentos e acessórios tradicionais, posso apostar com você, com certa tranquilidade, que nessa sua foto mental constam algumas barricas de carvalho. Simplesmente, alguns símbolos estão tão intimamente ligados ao vinho que é difícil imaginar um sem lembrar do outro. Mas como esses charmosos tonéis assumiram uma posição tão natural e imponente no processo de produção de vinhos? Porque parecem estar diretamente ligadas à qualidade dos produtos? Bom, vamos começar com um pouco de história.
Porque usar barricas de carvalho?
Enquanto os romanos expandiam seu império, suas tropas se espalhavam pela Europa carregando consigo armamento, mantimentos e, é claro, muito vinho. Podemos considerar que naquela época beber vinhos era mais seguro que beber água, mas obviamente que alguns goles da bebida de Baco e Dionísio ajudavam a manter os nervos no lugar e garantir uma boa noite de sono. Mas aí morava um problema, ao passo que as jornadas se tornavam cada vez mais longas, transportar os pesados jarros de barro, cheios de vinho para toda a turma, não estava ficando mais fácil.
Eis que, em uma das incursões romanas mais ao norte da Europa, adentrando o território que hoje conhecemos como França, os romanos confrontaram os gauleses e descobriram que estes, inteligentemente, utilizavam uma abundante madeira local que se mostrava surpreendentemente mais leve que o barro e gentilmente mais flexível ao mínimo contato com o calor. Uma leve tosta era suficiente para dobrar as tábuas do imponente carvalho na forma dos barris que os locais utilizavam para armazenar cerveja, e, além disso, a fina porosidade da madeira era perfeita para impedir que o vinho vazasse. Uma verdadeira revolução, que fez com que as ânforas de barro fossem rapidamente substituídas pelas barricas de carvalho.
Obviamente, não demorou muito para que os comerciantes e consumidores do vinho notassem que havia algo diferente quando o produto era armazenado e transportado nas barricas, e mais além, que quanto mais tempo o vinho passasse neste recipiente, mais distinto, macio e agradável ele se tornava. Definitivamente, o destino estava selado, este casamento não terminaria mais.
As características do carvalho são muito particulares e perfeitas para a armazenagem e amadurecimento de bebidas, não apenas vinhos, mas também destilados, aproveitam a fina porosidade da madeira, para permitir que uma entrada gradual e muito lenta de oxigênio do meio externo, favoreça diversas reações nos compostos do vinho, garantindo uma evolução segura para a bebida.
Mais além desta característica estrutural, o barril de carvalho é rico em compostos naturais que são incorporados ao vinho que repousa em seu interior, compostos que vão mudar drasticamente os aromas e sabores originais do vinho e trazer o toque “amadeirado” tão famoso no mundo enológico. Estes aromas que variam da baunilha ao pão tostado e da manteiga às frutas secas depende da intensidade da tosta do barril, mas principalmente da origem do carvalho.
Quais os principais tipos de carvalho?
Mesmo que o carvalho possa ser encontrado em grande parte das florestas de cima temperado no mundo, entre as mais de 200 espécies catalogadas, as mais utilizadas para fabricação de barricas são:
Carvalho Francês
Sem dúvida o mais cobiçado e com leis muito rígidas para o seu corte, o Carvalho Inglês (Quercus robur), o mais utilizado, ou o Carvalho Séssil (Quercus petraea), mais raro, conferem notas de tabaco e especiarias, mas com muita sutileza e são tratados como mais elegantes no contato com o vinho. Este é o carvalho qual utilizaamos na maturação de todos os nossos vinhos tintos e do Segredos da Adega Gran Chardonnay 2020.
Carvalho Americano
O mais importante tipo de carvalho americano, é, sem sombra de dúvidas, o carvalho branco (Quercus alba). O favorito dos tanoeiros (os fabricantes de barricas) confere notas intensas de coco e baunilha e sua porosidade mais grosseira que o parente francês garante uma impressão muito marcante nos vinhos.
Carvalho Húngaro/Romeno
O carvalho do leste europeu é da mesma espécie do primo francês (Quercus robur), e tem ganhado cada vez mais notoriedade visto que se aproximam muito desse, mas com custo mais baixo, permitindo que vinhos com grande potencial aproveitem a fina porosidade para abraçar os seus ricos aromas amendoados.
Todo vinho passa por barrica de carvalho?
Considerando que o carvalho tem um crescimento lento e precisa de décadas para atingir o ponto de corte, e natural que o custo elevado torne sua aplicação um luxo reservado aos vinhos de grande potencial de guarda, os sortudos escolhidos para aproveitar os presentes desta madeira também tem seu desenvolvimento pensado no inevitável passagem que terão ao término da fermentação alcoólica, ou até mesmo durante a fermentação.
Pense no vinho e na barrica como sendo água quente e chá, no primeiro mergulho, os aromas, cores e sabores tomarão conta do líquido, transformando-o intensamente. Se transferirmos o mesmo chá para uma nova xícara de água, a extração será evidente, mas muito menos intensa. Quanto mais novo o barril de carvalho, mais intensa será a resposta que ele conferirá. O famoso “Primeiro Uso” é reservado aos vinhos de maior calibre, que tem estrutura para receber os taninos e compostos da madeira. Conforme a barrica é utilizada ela, vai perdendo sua capacidade e após o terceiro ou quarto uso, tornasse um recipiente de armazenagem, possibilitando apenas o lento contato do vinho com o oxigênio.
É importante ressaltar que o carvalho e tão rico e complexo como a própria uva e o vinho, seu uso é extremamente benéfico para os vinhos, não apenas no enriquecimento dos aromas e sabores, mas tornando-os mais longevos e equilibrados, entender suas características e aproveitá-las ao máximo é parte da alquimia do enólogo, com delicadeza e experiência, dosando para evocar o melhor da madeira e combinar com as características de cada vinho.
Existe certo romance na existência deste ícone no mundo do vinho, reverenciamos as barricas de carvalho de certo modo que mesmo após cumprirem seu papel, não conseguimos nos desfazer delas, tornando as barricas itens de decoração, bancos, mesas, e tanto mais, para que, de certa forma, após acompanharem os vinhos em sua evolução, acompanhem o resultado em posição privilegiada. Talvez seja uma visão muito romanceada, mas assim é a história do carvalho, um pouco de ciência, um pouco de arte, sem dúvida nenhuma, parte fundamental da criação de grandes vinhos.